Do Procurement ao S2P: Tiago Cruz e o futuro das compras
Num contexto em que a digitalização e a inteligência artificial estão a transformar a área do Procurement, convidámos Tiago Cruz, especialista com mais de 15 anos de experiência em compras, supply chain e eficiência operacional, para uma conversa sobre o presente e o futuro da função.
Tiago conta com uma sólida experiência na gestão de compras e cadeia de fornecimento, tendo liderado diversos projetos de melhoria contínua, onde aplicou metodologias Lean e Six Sigma para otimizar processos, reduzir custos e aumentar o valor estratégico das equipas de Procurement.
Nesta entrevista, partilha com a SERES a sua visão sobre as principais tendências do setor, bem como conselhos práticos para diretores de compras e profissionais de sourcing que procuram posicionar o Procurement como um verdadeiro parceiro estratégico do negócio.
P: A tua formação é em Gestão com especialização em Marketing & International Business na Universidade de Aveiro, seguida de um Mestrado em Business Administration na Porto Business School, além de diversas formações na área de Procurement. O que te levou a especializar nesta área?
R: Quando comecei a trabalhar, percebi que queria uma área dinâmica e com impacto real no negócio. A Gestão deu-me essa base, mas foi quando entrei em Procurement que senti que estava no sítio certo: é uma função transversal, exigente e onde as decisões têm impacto imediato. A partir daí, fez sentido aprofundar conhecimento. O MBA ajudou-me a ganhar amplitude estratégica e as formações específicas foram a forma de acompanhar tendências e continuar a evoluir. Sempre tive a preocupação de me preparar para entregar mais valor na prática.
P: Lideras diversos projetos de melhoria contínua, aplicando metodologias como o Lean e Six Sigma. Como defines o teu estilo de liderança e de que forma o adaptas a contextos em constante mudança?
R: Diria que sou um líder orientado à mudança. Gosto de liderar projetos complexos e de trabalhar com equipas que querem crescer. Tento sempre liderar pelo exemplo e ser direto na comunicação, principalmente quando estamos a implementar processos novos ou sistemas como ERPs. Em contextos de mudança, aquilo que ajusto é a forma como envolvo as pessoas: explico o porquê das decisões, defino expectativas e dou espaço para aprenderem. Sou exigente, mas acredito no equilíbrio entre vida pessoal e profissional, na formação contínua e em momentos de equipa que reforcem colaboração. Equipas preparadas e alinhadas entregam melhores resultados.
P: Com mais de 15 anos de experiência em Procurement & Sourcing em diversos setores, qual foi a principal aprendizagem que retiraste dessa diversidade de contextos?
R: A grande aprendizagem foi perceber que o Procurement só conquista espaço quando prova o seu valor. Cada setor tem a sua complexidade, mas em todos tive de gerir stakeholders, explicar o impacto da função e mostrar resultados. A ideia de que Compras é apenas “emitir encomendas” ainda existe em algumas empresas, e ultrapassar isso só é possível com consistência e capacidade de antecipar necessidades. A evolução da área em Portugal nos últimos anos ajudou, mas a mudança começa sempre dentro das equipas e na forma como nos posicionamos.
Definir estratégia, alinhar objetivos de negócio e medir resultados com KPIs são essenciais para tornar as compras estratégicas.
P: Atualmente és Professor na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal. De que forma a formação académica impulsionou a tua abordagem inovadora nas compras?
R: A formação obrigou-me a rever processos com detalhe e a estudar de forma estruturada para ser capaz de explicar claramente o “como” e o “porquê” a quem está do outro lado. Esse exercício de tornar temas complexos mais simples reforçou a minha capacidade de analisar, justificar decisões e procurar melhoria contínua. Esta disciplina foi essencial para evoluir a forma como trabalho e para consolidar uma abordagem mais objetiva e eficiente.
P: Ao longo do teu percurso, que negociação recordas como a mais desafiante e que lição te deixou para a tua prática profissional atual?
Uma negociação que me marcou foi a escolha de um fornecedor de logística para um contrato de cinco anos. Foram meses intensos, muitas revisões de cenários e vários rounds de negociação. No final, conseguimos poupança e, mais importante, criámos uma relação de parceria que funcionou muito bem. O que retenho dessa experiência é que negociar não é só fechar preços — é ouvir, perceber interesses e construir confiança. Quando isso acontece, a relação funciona e o valor aparece naturalmente.
P: De acordo com a tua experiência, quais são os passos fundamentais para que a área de Compras ganhe peso e se afirme como um aliado estratégico no negócio?
R: Para que Compras ganhe peso estratégico, é essencial desenvolver competências técnicas e analíticas, reforçadas por formação contínua. Destaco três pontos: estar envolvido na definição da estratégia, garantir alinhamento com os objetivos do negócio e demonstrar valor de forma consistente através de KPIs que evidenciem impacto real em custos, risco, sustentabilidade e eficiência. A área está a evoluir no sentido certo, mas esta evolução depende da capacidade das equipas em mostrar impacto tangível e trabalhar de forma colaborativa com toda a organização.
P: A gestão de riscos de fornecedores é cada vez mais complexa. Que boas práticas aconselhas para homologar e monitorizar fornecedores num ambiente global?
R: A gestão de fornecedores só funciona bem com processos sólidos. A homologação deve ser completa — financeira, legal e operacional. Depois, é importante segmentar fornecedores por criticidades, porque não faz sentido aplicar o mesmo nível de controlo a todos. A monitorização deve ser contínua, acompanhando desempenho, riscos e indicadores externos. Ferramentas digitais ajudam muito neste ponto. E ter planos de contingência é obrigatório. O contexto global é volátil, e quem não estiver preparado acaba por sofrer mais.
P: Que vantagens traz centralizar toda a informação do ciclo de compras e pagamentos num único fluxo S2P?
R: A principal vantagem é a visibilidade. Quando tudo está num único fluxo, consegues controlar melhor o processo, reduzir falhas e tomar decisões mais rápidas. Depois vem a eficiência: menos tarefas manuais e menos erros. E há também um ganho claro em compliance, porque tudo fica rastreado. Num ambiente em que as empresas procuram eficiência e controlo, um fluxo S2P bem implementado é uma ferramenta essencial.
P: Em termos de medição de desempenho, que KPIs consideras essenciais para avaliar o sucesso de um projeto de Compras?
R: Depende do projeto, mas há indicadores transversais. A poupança (savings e cost avoidance) mede o impacto económico. O OTD e a qualidade avaliam a fiabilidade dos fornecedores. A percentagem de compras com fornecedores homologados e o spend sob contrato mostram controlo e gestão de risco. E os indicadores de eficiência — como o tempo do ciclo de compras e o nível de automação — mostram maturidade do processo. Com estes KPIs, conseguimos ter uma visão clara do valor e da evolução da área.
P: No evento de Compras & Inovação da SERES, no qual foste um dos oradores, falamos da questão da Inteligência Artificial. Na tua opinião, de que forma a IA irá transformar as compras e que riscos éticos devemos ter em atenção?
R: A IA vai mudar o ritmo da função. Vai automatizar tarefas repetitivas, analisar grandes volumes de dados, prever riscos e acelerar decisões. Isto vai libertar tempo para as equipas se focarem em atividades mais estratégicas. Os riscos que não podemos ignorar são enviesamentos nos algoritmos, falta de transparência, proteção de dados e excesso de delegação sem supervisão humana. A IA deve apoiar a decisão, não substituí-la.
P: Que tendências identificas na digitalização da relação com fornecedores para os próximos cinco anos?
R: Vamos ter relações cada vez mais digitais e colaborativas. Portais de fornecedores mais completos, monitorização automática de risco, processos de compra mais automatizados e contratos digitais a ganhar espaço. A IA generativa vai apoiar o sourcing e análise de propostas. Acredito que veremos mais projetos de inovação conjunta entre empresas e fornecedores. Tudo mais rápido, transparente e baseado em dados.
Compras requerem formação e desenvolvimento contínuo.
P: Se pudesses dar um conselho ao teu “eu” de há 15 anos, no início da tua carreira em Compras, que orientação lhe darias para enfrentar os desafios futuros?
R: Diria para procurar desafios desde cedo e investir continuamente no desenvolvimento de competências. Recomendaria estar próximo dos stakeholders e compreender as suas necessidades, porque isso facilita mudanças e acelera resultados. E reforçaria a importância de construir relações sólidas com fornecedores desde o início, porque são parceiros essenciais para garantir estabilidade, inovação e eficiência.
P: Como especialista em Procurement, que conselhos darias aos jovens que pretendem seguir uma carreira no setor das Compras Digitais?
R: Comecem por dominar ferramentas digitais, análise de dados e sistemas S2P. Mas não se esqueçam da base: negociação, gestão de risco e comunicação clara. O equilíbrio entre competências técnicas e comportamentais faz a diferença. E mantenham curiosidade. A área está a evoluir rapidamente, e quem não acompanhar fica para trás.
P: Para terminar, se um diretor de compras quiser iniciar um projeto S2P, qual seria o teu conselho para ter sucesso?
R: O mais importante é começar pelo objetivo: o que queremos resolver? Depois, garantir alinhamento entre Procurement, Finance e IT. É essencial mapear processos antes de digitalizar para não “informatizar” ineficiências. Recomendo começar com quick wins para criar adesão interna. E medir resultados desde o primeiro dia. A tecnologia só gera valor quando é adotada e usada de forma consistente.
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Tiago Cruz é especialista em Procurement & Supply Chain, com sólida experiência em gestão de compras, cadeia de suprimentos e eficiência operacional. Ao longo da sua carreira, tem liderado projetos de melhoria contínua, aplicando metodologias Lean e Six Sigma para otimizar processos, reduzir custos e aumentar o valor estratégico das equipas de Procurement. Atualmente, colabora como professor convidado na Pós-Graduação em Procurement da Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal, partilhando o seu conhecimento e experiência com novos profissionais. |
